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A “compliance” de hoje. Ou não!

Atualizado: 2 de jan. de 2021

Em 1926, num trabalho intitulado de “As Algemas”, publicado na “Revista de Comércio e Contabilidade”, Fernando Pessoa descreveu a realidade de um país que defendia o seu reino.

Políticas e legislações à parte, este texto brilhante de Fernando Pessoa, remeteu-me para uma analogia (exagerada, ou não) com aquilo que hoje é intitulado de “compliance” nas empresas. A ver…



“Suponha o leitor que lhe dizíamos:

- Há um país em que, depois das oito horas da noite, é crime previsto e punido o comprar maçãs, bananas, uvas, ananases e tâmaras, sendo, porém, permitida a compra de damascos, figos, pêssegos e passas. Depois das oito horas não se pode ali, legalmente, comprar arenque, mas podem comprar-se salmão e linguado. Nesse país é crime comprar, depois das oito horas, um pastelão cozinhado, se estiver frio; mas a lei permite a sua venda se, conforme os seus dizeres, "estiver quente ou morno". A sopa em latas, que vários fabricantes fornecem, não pode ser comprada depois das oito horas, a não ser que o merceeiro a aqueça. Chocolates, doces, sorvetes não podem ser comprados depois das nove e meia da noite, estando, porém, abertas as lojas que os fornecem. O camarão é, nessa terra, um problema jurídico tremendo, pois existe um camarão em latas que se não sabe se tecnicamente, é camarão ou conserva; e os júris consultores e legisladores desse país já uma vez reuniram em conclave solene para determinar a categoria jurídica do camarão nesse estado. Também nesse país se não pode comprar aspirina, ou outro qualquer analgésico, depois das oito horas da noite, a não ser, diz a lei, que o farmacêutico fique convencido que ''há motivos razoáveis para supor" que alguém tenha dores de cabeça. Não se pode, ainda nesse país, comprar, depois das oito horas da noite, um charuto ou um maço de cigarros num bufete de caminhos-de-ferro, salvo se se comprar também comida para consumo no comboio. Na agência de publicações, que há ali em qualquer gare, não é legal comprar, depois da mesma hora fatídica, um livro ou uma revista, ainda que a agência esteja, como em geral está, aberta. Nesse país...

Nesta altura o leitor, irritado, interrompe...

Não há país nenhum onde isso aconteça! A não ser que se chame "país" a qualquer reino de revista de ano, ou a qualquer nação sonhada entre os quatro muros de Rilhafoles'...

Enganar-se-ia o leitor que efetivamente fizesse esse reparo . Existe, em verdade, o país onde se dão aquelas circunstâncias legais. Esse país é a Inglaterra - a livre e prática Inglaterra. E a lei que prescreve aquilo tudo, promulgada durante a Guerra " e ainda em vigor, é a Defence of the RealmAct (Lei de Defesa do Reino!), popularmente conhecida, das iniciais do seu nome, pela designação de "Dora". (…)”

  1. primeiro hospital especializado no internamento de doentes mentais, criado em 1848. Mais tarde, passou a chamar-se Hospital Miguel Bombarda.


Acredito que este texto de Fernando Pessoa, também vos tenha remetido para algumas “Algemas” com as quais temos de lidar no nosso dia-a-dia. Caso para dizer: mudam-se os tempos, mudam-se as “compliances”!


Boa semana!

Abraço,


Paula Ribeiro

Head of marketing and communication at bloom up

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